JOSÉ LOPES DIAS - ALGUNS
DADOS
Lopes
Dias é como uma jóia. Quanto mais tempo passa maior é e seu valor
Na
nossa região vivia-se, ainda,
em plena era agrária. Tanto o modo
de vida das pessoas como a
sua actividade eram ditadas por uma rede apertada de obrigações
baseadas nos costumes, nas tradições e em normas estritas. Esta vivência,
“vigiada” pelas autoridades locais, criava
dependência social e económica que
impunha crenças, códigos de
conduta e hábitos de vida. A grande maioria da população era carente das
comodidades mínimas de habitação, vestuário e alimentação. Vegetava.
Todo este ambiente cerceava o
espírito de iniciativa, a mobilidade e a própria liberdade das pessoas.
O ensino não era estimulado. O que
torna um país rico é uma população evoluída, mas o ensino era
encarado como um risco para o Poder. Este receava que a instrução lhe fizesse
perder alguma influência. O próprio Salazar dizia, nos seus discursos,
que ao português bastava ter conhecimentos da leitura, escrita e das contas.
Procurava manter-se o culto do amo e do senhor,
tentando a continuidade de um certo feudalismo.
A ignorância perpetuava, assim, o ciclo de marginalização.
A industrialização que emergia na Europa contribuía
decididamente para alterar, em muito, a vida dos camponeses. Na nossa região e
em muitas outras do nosso país ela não surgia. A resposta foi a emigração.
Creio que esta teve para as nossas populações
as mesmas consequências que a industrialização teve para as outras.
Foi neste
ambiente histórico que em 5 de Maio de 1900 nasceu,
em Vale de Lobos, hoje Vale da Senhora da Póvoa,
José Lopes Dias ou
José Lopes Dias Júnior primogénito
de José Lopes Dias casado, em segundas núpcias, com Carlota Leitão Barreiros
Dias. Teve 4 irmãos: Jaime filho da primeiro casamento, António, Joaquim e
Victor filhos do segundo casamento.
O pai era professor do Ensino Primário e a mãe dedicava-se à
casa e aos filhos.
Cursou o
ensino liceal em Castelo Branco e Coimbra onde terminou o curso de medicina em
1923.
Casou em 6 de Setembro de 1926 com Maria do Carmo
Pissarra Xavier tendo tido dois filhos: José e António. Exerceu a medicina em
Penamacor, fixando-se em Castelo Branco
em 1928 onde continuou a exerce-lâ com
igual mestria. Em
Setembro do mesmo ano foi admitido como médico da Misericórdia tendo
sido seu Director Clínico por vários anos.
José Lopes Dias foi um homem apaixonado pelo ensino,
educação, saúde, investigação,
regionalismo, bem como pela sua
região.
Espírito de cientista, artista e humanista,
soube aliar à sua actividade prática de médico,
um laborioso trabalho de investigação.
Dedicou-se aos mais
variados estudos sobre a ciência médica, história da medicina e, ainda, a um
memorialismo literário digno de nota. Os seus ensaios,
publicados em revistas várias, foram muitos deles organizados
em separatas, como por exemplo:
“Alguns Aspectos Sanitários de um distrito rural”(1948), separata do
Boletim do Instituto Superior de Higiene
Doutor Ricardo Jorge;
“Alguns aspectos da função médico escolar na
Universidade, nos Liceus e nas Escolas Primárias” (1941), separata da
revista Clínica, Higiene e Hidrologia;
“Elementos de História da Protecção aos Estudantes no Século
XVI. A confraria de caridade dos estudantes” (1942), separata do Boletim
da Direcção Geral de Saúde Escolar;
“As
Misericórdias e Hospitais da Beira Baixa” (1938), separata também de Clínica,
Higiene e Hidrologia; “Albergarias da Beira Baixa” (1946), separata da
Acção Médica;
“Cartas
de Consolação do Cardeal de Alpedrinha ao Rei D. João II, à Rainha D.
Leonor e à Princesa-viúva, D. Isabel, no falecimento do Príncipe D.
Afonso”, separata de Acção Médica
(1959);
“Dois documentos inéditos sobre o poeta João
Roiz de Castel-Branco” (Coimbra, 1957);
Vários
estudos sobre João Rodrigues de Castelo Branco, sua obra e biografia,
especialmente a organização e prefácio do livro intitulado Homenagem
ao Doutor João Rodrigues de Castelo Branco (Amato Lusitano ). Neste livro
reuniu importantes trabalhos, alguns dos quais
publicados no estrangeiro que foram devidamente traduzidos para português.
Termina o livro com a Compilação Bibliográfica do homenageado. Acrescentamos
ainda os muitos artigos publicados na revista Estudos
de Castelo Branco, de que José Lopes Dias foi fundador e director, além de
comunicações em colóquios e congressos a nível nacional e internacional, que
seria fastidioso enumerar, mas (para quem se interesse), foram coordenados, em
sua homenagem, em edição do Departamento de Extensão Cultural da
Biblioteca Municipal de Castelo Branco, em 1990.
O seu cunho regionalista está
bem expresso na fundação da Acção
Regional, semanário, cujo primeiro número saiu a 11 de Novembro de 1924,
encontrando-se o ilustre
homenageado entre os seus muitos fundadores. Suspenso em 1928, o semanário
reapareceu com nova direcção. José
Lopes Dias é o seu redactor principal, João Matilde Xavier Lobo, director e
editor. Este semanário tinha como
finalidade “pregar a união de todos os albicastrenses na defesa das aspirações
comuns”, escreveu Mourato Grave, secretário de redacção. Vem a propósito
referir que a Farmácia Grave era o cenáculo cultural de então . Ali se
reunia, além de José Lopes Dias, João
Matilde Xavier Lobo, Reitor do Liceu, Mourato Grave, proprietário da farmácia,
Diogo Correia, advogado, José Sena Esteves, José de Sousa Vieira, entre
outros.
Em 1929 contribui para a
organização do IV Congresso e Exposição Regional das Beiras, que
contou com a presença do Chefe do Estado. Consagra-se então
definitivamente o movimento regionalista, iniciado anos antes e que o
nosso homenageado serviu com a maior dedicação. Com efeito, o regionalismo é
uma das características que
sobressai na maior parte da sua obra, bem como na de seu irmão Jaime Lopes
Dias.
José Lopes Dias, homem do seu tempo, foi observador atento da conturbada
situação política que se seguiu à implantação da República e em Coimbra,
onde terminou o curso em 1923, foi, certamente, testemunha
interessada em todo este processo político. Frequentou depois os
Hospitais de Paris e aí residia em
1924, quando a III República Francesa
se debatia com enormes contradições internas e dificuldades
financeiras.
A esta vivência política de Coimbra e Paris juntou-se a experiência do
seu trabalho como médico, em Penamacor e Castelo Branco. Assim desenvolve o seu
ideal republicano através de um humanismo que orientou toda a sua actividade
com preocupações
sociais , de ensino e educação, dedicando-se simultaneamente às actividades
de - historiografia e memorialismo - contribuindo para o desenvolvimento
cultural e social de Castelo Branco e da respectiva região, pela via do
Regionalismo, então muito em voga.
Mas a sua obra, embora com forte cunho regionalista, não se encerrou
nestas fronteiras. Integra-se também no nacionalismo
coincidente com o de várias tendências sócio-literárias e mesmo políticas,
que vinham já do final do séc. XIX com a comemoração do Centenário de Camões e se acentuaram
com o choque sofrido pelos portugueses, sem distinção de classes ou partidos,
aquando do Ultimato inglês de 1890, que nos impôs
a perda das terras do “mapa cor-de-rosa,” que ligavam Angola a Moçambique.
Talvez tenha sido este o
acontecimento que mais contribuiu para a proclamação da República, vinte anos
depois. Desencadeou, entre os portugueses, grande sentimento de patriotismo, de
que andávamos muito arredados, pois mesmo os intelectuais de então, estavam
mais preocupados em imitar os ventos vindos da Europa, sobretudo de França.
Debruçando-nos, assim, sobre a ideologia que marca a obra de José Lopes
Dias, pensamos poder integrá-la, em grande parte, na da “Renascença
Portuguesa”, - associação cultural, formada em 1912, de que fizeram parte
grandes intelectuais como Jaime Cortesão, Leonardo Coimbra, Teixeira de
Pascoaes, João de Barros, Afonso Lopes Vieira, António Sérgio, Raúl Proença,
António Correia de Oliveira, Augusto Casimiro, entre outros -. Este grupo
volta-se para o passado procurando nele as fontes autênticas da nacionalidade,
a inspiração para um futuro renovado, onde os portugueses seriam educados com
os seus valores e características, sem desprezar, contudo, toda a evolução técnico-científica
que então se vivia na Europa, porém, sem
se desaculturarem.
A
“Renascença Portuguesa” tem como objectivo levar a cabo um programa de
educação e cultura com base
iminentemente nacional.
É
da cisão deste grupo que em 1921 nasce a revista Seara Nova, levada a cabo por António Sérgio, Jaime Cortesão e Raúl
Proença, revista de índole fundamentalmente doutrinária.
Promove campanhas de doutrinação e de defesa da democracia, visa a
formação de um escol cultural capaz da reforma das mentalidades. José Lopes
Dias colaborou nesta revista e foi, seguramente, um dos seus fiéis leitores.
Jaime Cortesão, médico,(actividade que pouco exerceu) foi um republicano convicto e mestre de muitos dos intelectuais do seu tempo. Foi um dos mais altos
valores da historiografia portuguesa moderna. Também Lopes Dias não deixou de
expressar a admiração que sentia por ele, aspecto que, certamente, muito
influenciou a sua obra. Com efeito
ve-mo-lo a promover, na linha de Cortesão, uma abrangente protecção à
criança, sua educação,
ao mesmo tempo que se dedicava à historiografia, nas horas livres, como já frisámos.
Num artigo publicado na revista Atlântida
(nº11, Setembro de 1916), Jaime Cortesão afirmou que para se fazer uma boa e bela obra de educação
pela história nacional, em que os sentidos e faculdades da criança, a
sua pequena e inquieta vida se prendessem, “era necessário não só o talento
e o tacto dum educador e dum artista, mas uma grande vontade e força de inovação,
capazes de vencer a pantanosa e rotineira indiferença geral”. É esse talento
e essa capacidade de inovação que caracterizam as realizações de Lopes Dias.
Este dizia “a criança deve desenvolver harmoniosamente o seu corpo, a
inteligência, a actividade, a criatividade e a sensibilidade”. Nesta linha
impulsionou em Castelo Branco o funcionamento do Jardim Escola João de Deus e o
Lactário contribuindo decididamente para a
melhoria da saúde materna infantil, pois é preciso começar por esta díada,
tendo em vista a construção de um mundo melhor. O
funcionamento destas estruturas revestiu-se
de tal importância que reduziram drasticamente
a mortalidade infantil, na área de Castelo Branco.
Fundou a Escola de Enfermagem ,que hoje tem o seu nome, pois sentia bem
quanto era necessário ensinar, educar e dispor de técnicos para esta grande
obra que consistia simultaneamente
elevar o nível de saúde das populações e tratar os doentes.
Passou
da clínica essencialmente curativa para a preventiva ocupando o lugar de
Delegado de Saúde. A Saúde Publica fascinava-o pois sentia
profundamente quanto havia a fazer na
prevenção das doenças, educação para a saúde, vigilância, erradicação
das doenças sociais e, volto a referir, na Saúde Materno Infantil.
Tinha
plena consciência de que bons
quadros de Saúde Pública e também
de Serviço Social são indispensáveis ao êxito do desenvolvimento humano.
Basta ler duas das conferências - “Ao Redor do Serviço Social”- que
proferiu na Covilhã e em Castelo Branco, em 1932. Na
primeira, a convite dos operários
que formaram, naquela cidade a Associação Mutualista, traça um largo panorama
do que entende por Assistência Social e das tarefas que lhe cabem. São tantas
e tão vastas que, citação sua “cada um de nós deve atribuir-se uma função
a desempenhar em seu benefício e
que o primeiro esforço a realizar deve ser, incontestavelmente, no sentido da
instrução e da educação, pois é por seu intermédio que os homens se
aproximam, destruindo as barreiras e apagando as distância que os separam”.
Incentiva a assistência a levar por diante a
sua Associação Mutualista. Estão
no caminho certo, afirma, pois compreenderam as vantagens associativas.
Realizaram a parábola dos vimes, citação sua “aqueles vimes frágeis que um
pai pediu a seus filhos, a fim de lhes demonstrar que não valendo nada um a um,
se reunidos todos seriam inquebrantáveis, invencíveis...”
Da
mesma forma, a conferência proferida em Castelo Branco numa festa de Caridade
em benefício do Instituto do Cancro e realizada no Cine-Teatro, é reveladora,
através da sua ideologia e cultura, do grande homem que foi José Lopes Dias.
Esclarece ainda que, ao lado do aspecto humanitário e sentimental e a
par dos sentimentos generosos e de solidariedade humana, a assistência tem o
seu lado económico e material, uma vez que o homem representa também um
capital produtivo que conta na riqueza do país e que é preciso valorizar.
Nessa medida, sublinha, mais uma vez, a importância
do desenvolvimento da criança.. Por fim, faz algumas considerações
sobre o cancro e o desconhecimento de suas causas.
Acrescenta algumas normas de higiene corporal e alimentar que devem ser
observadas, termina com um apelo à boa vontade dos seus ouvintes a fim de
colaborarem com generosidade no movimento de alcance social que é o combate ao
cancro.
Lopes
Dias sentia bem que a riqueza de um país depende de uma população evoluída
ao nível da cultura, ensino, educação, saúde, desenvolvimento social e económico. Assim as
preocupações nestas áreas são uma das características que atravessavam
totalmente a sua personalidade.
É
na continuação do seu modo de pensar
e de toda a actividade anteriormente realizada, que no final da
era de 60, entrega ao Primeiro Ministro de então, Prof. Marcelo Caetano, quando
da visita a esta cidade, um relatório defendendo a criação de uma Faculdade
de Medicina em Castelo Branco.
Neste pedido integra-se: Ensino, Educação,
Saúde e algum regionalismo, princípios que ditaram o seu modo de estar
na vida.
Personalidade
exuberante, com certo fascínio e
espírito agudo, soube viver dignamente a sua vida. Homem
de ideal e de realizações, soube imprimir a
toda a obra o seu cunho social e cultural, a par duma gentileza e dum
trato excepcionalmente fino.
Os
princípios defendidos e praticados por José Lopes Dias
são considerados, na vida moderna, alicerces indiscutíveis do
desenvolvimento.
Sentiu
bem que o amanhã se organiza hoje.
Fernando Dias de Carvalho, 2000